Uma mineira de sangue francês, que usa botina e chapéu, comanda em Minas Gerais uma das maiores fazendas de leite do Brasil. Huguette Emilienne Françoise Collin de Noronha Guarani é uma empresária que destoa no universo do agronegócio brasileiro. Primeiro, pelo óbvio: mulheres são ainda minoria nesse negócio que continua com um reduto masculino; segundo, porque sua propriedade tem uma escala de produção de leite que a coloca pelo segundo ano consecutivo na posição de quarta maior produtora de leite do país, de acordo com o ranking da MilkPoint referente a 2014. É a única mulher entre os dez maiores produtores do país. Ou a “rainha do leite”, como inevitavelmente se referem a ela.
Aos 52 anos, Huguette é dona da fazenda São João True Type, cujas terras se espalham por 1.170 hectares no município de Inhaúma, a 85 km de Belo Horizonte.
Todo o leite da fazenda é vendido para a Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR), que tem 50% de participação no capital no laticínio Itambé – os outros 50% pertencem à Vigor. O leite vai preferencialmente para a fábrica da Itambé mais próxima, em Sete Lagoas. Lá é transformado em leite condensado, que abastece mercados de várias regiões do país, e em leite em pó, vendido nas regiões Norte e Nordeste. A planta de Pará de Minas, de onde saem iogurtes, também recebe ocasionalmente leite da fazenda São João.
O rebanho de vacas holandesas de Huguette produz, em média, 33,4 mil litros por dia. Em 2014, quando 1.100 – de um total de 1.300 animais – estavam em lactação, a produção foi de 11,8 milhões de litros. Sua meta é bater nos 16 milhões de litros em cinco anos.
A pecuarista não revela o faturamento da fazenda. Mas levando em conta o volume de leite produzido na propriedade e o valor que a cooperativa paga por litro, a receita girou em torno dos R$ 14 milhões no ano passado. Isso sem contar a receita com os leilões de animais de vacas e bezerras.
Viúva e mãe de três rapazes, a empresária divide seu tempo entre a sede da fazenda e sua casa na capital mineira. Rafael, o mais velho, está também no dia a dia da propriedade. Marcel, 18, estuda engenharia química; Victor, de 17, está no Canadá, num programa de intercâmbio.
Há pouco mais de três anos, quando seu marido Flávio de Noronha Guarani morreu, Huguette teve de enfrentar não só o baque da perda como também um mar de boatos de que a fazenda seria vendida.
“A gente ouviu muito isso, que iríamos vender ou que iríamos quebrar depois que o Flávio faleceu. Todo dia vinha um falando: “Ah, você já vendeu? quando vai vender””, lembra a empresária.
Flávio e Huguette haviam adquirido a fazenda em 1994, mas só em 2002, depois de um longo período de preparo, o projeto de leite começou a rodar. Flávio era acionista do Banco Mercantil do Brasil, de Minas, e um dos sócios de uma fábrica da Coca-Cola. Ter uma fazenda era um sonho que ele trazia da juventude e que agradava muito à mulher. O pai de Huguette, um francês da região de Loiret foi fazendeiro na França e depois no Marrocos antes de se mudar para o Brasil. Casou-se aqui com uma mineira. Huguette nasceu em Belo Horizonte.
Para Jacques Gontijo, presidente da CCPR e ex-colega de faculdade de Flávio, foi Huguette quem influenciou o marido a apostar na pecuária leiteira. “Ela sempre gostou muito do leite e se mostrou muito determinada e uma produtora muito competente.”
Há três anos, diz a empresária, a fazenda tem importado embriões de qualidade superior de vacas holandesas de uma grande fazenda do Wisconsin, EUA. “Já devo ter investido aqui uns R$ 50 milhões, desde o início do projeto”, disse, enquanto circulava com a reportagem por um dos cinco galpões que abrigam as vacas. Este ano, ela faz um novo investimento. O plano é agregar mais 800 vacas até o fim do ano ao rebanho que era de 1.300 vacas em 2014. Cerca de 400 já foram adquiridas.
O aumento está associado a uma mudança que Huguette começou a testar na fazenda: os novos animais não serão mantidos nos galpões com temperatura e umidade controladas, onde hoje o plantel de holandesas é alimentado no coxo.
Os novos, mestiços de gado holandês com gir – com 3/4 ou 7/8 da raça holandesa – ficarão no pasto, numa área irrigada por um pivô central. São animais mais resistentes. E tratá-los assim é, acima de tudo, uma forma de reduzir a dependência de mão de obra.
Huguette afirma que precisa de cinco funcionários para cuidar dos cerca de 400 animais que já estão sob o novo sistema, no pasto irrigado. Os 1.100 animais em lactação confinados carecem de cuidados mais diretos de cerca de 40 funcionários. A fazenda tem atualmente 79 funcionários.
Gado leiteiro para produção em larga escala no pasto irrigado é um modelo que faz sucesso na Nova Zelândia e em algumas regiões menos frias dos EUA, conta a empresária. “Estamos começando esse projeto e lá na frente vamos avaliar se ficarão os dois sistemas (confinamento e pasto) ou se um vai predominar”.
Descontraída e aparentando estar muito à vontade no papel de fazendeira, Huguette lembra que chegou a estudar com o marido a possibilidade de investir num laticínio próprio. A ideia não está descartada. “Está em stand by”, diz. Outra ideia que não está descartada é de uma sociedade e mesmo de uma venda. É um assunto que ela trata com cautela para não dar asa a novas especulações. “Minha fazenda não está à venda”, avisa. “Mas estou sempre aberta a conversas em torno de negociações para venda e para sócios. No momento, no entanto, não estou buscando nenhuma das duas possibilidades.”
No Top 100 da MilkPoint, além de Huguette aparecem os nomes de outras cinco mulheres. A mais bem colocada atrás dela é Caroline Seibt, de Presidente Olegário, também em Minas Gerais, na 16ª posição. “É um universo muito masculino”, diz Huguette. “Mas nunca senti nenhum tipo de preconceito. Para mim sempre o que chega é receptividade, acolhimento, curiosidade. Quase como se eu fosse uma referência.”
Fazendas líderes estão em SP
No ano que passou, a produção das 100 maiores fazendas de leite do Brasil avançou 9,4%, para uma média diária de 15.151 litros – em 2013, a média havia sido de 13.849 litros por dia, conforme o Levantamento Top 100 MilkPoint. A pesquisa, em sua 14ª edição, obteve informações dos 100 maiores produtores de leite do Brasil sobre o desempenho de 2014, comparando-os com o ano anterior.
De acordo com o levantamento, a produção média diária dos 100 maiores verificada em 2014 é mais de duas vezes a registrada em 2001, ano da primeira pesquisa, quando a produção média foi de 6.544 litros por dia. A diferença dá uma ideia do avanço da produtividade nos últimos anos.
Em segundo lugar, ficou mais uma vez a Fazenda Bela Vista (de Tapiratiba, também em São Paulo), seguida pela Agrindus (Descalvado – SP), que também manteve o terceiro lugar em relação a 2013. Na Bela Vista, a produção foi de, em média, 52.179 litros por dia, e na Agrindus, de 51.288 litros diários. No quarto lugar, igualmente a mesma posição de 2013, ficou a pecuarista Huguette Emilienne Françoise Collin de Noronha, com produção de 33.451 litros por dia.
Os analistas da MilkPoint destacaram o avanço da Sekita Agronegócios no ranking, que passou do 10º lugar em 2013, para sexto no ano passado, com produção de 30.981 litros de leite por dia. A produção da empresa, que está no negócio de leite há menos de dez anos e se localiza em Rio Paranaíba (MG), cresceu 239% desde 2011, quando passou a fazer parte do levantamento.
A pesquisa indicou ainda que entre os 10 produtores com maiores aumentos na produção diária, sete são da região Sudeste, dois produtores são do Ceará e um de Goiás.
O Estado de Minas Gerais segue como o que tem maior número de fazendas no ranking. Já São Paulo se destaca por ter as três maiores fazendas leiteiras do Brasil, todas produtoras de leite tipo A, com marca própria no varejo. O destaque no Paraná é a cidade de Castro, município que mais produz leite entre as fazendas do ranking.
A MilkPoint também levantou dados sobre rentabilidade e custos entre os 100 maiores produtores no ano passado. Segundo 39% deles, a rentabilidade em 2014 ficou acima da média dos outros anos e conforme 47%, esteve na média, enquanto 14% consideraram abaixo da média.
A pesquisa mostrou ainda que houve aumento de 3,6% no custo médio operacional de produção entre os produtores Top 100 – alcançou R$ 0,86 por litro de leite, reflexo “principalmente dos custos mais altos de alimentação”.
Ainda conforme o levantamento, o sistema de produção mais utilizado pelos 100 maiores produtores foi o confinamento das vacas – 61 propriedades. Nas 39 propriedades restantes, 23 utilizaram o sistema de semi-confinamento e 16 o de pastejo rotacionado, caso da fazenda Flor da Serra, propriedade de Luiz Prata Girão, localizada em Limoeiro do Norte (CE) e em nono lugar no ranking.
A maior parte das propriedades (70) tinha criação de animais da raça holandesa em 2014, mesma quantidade do levantamento anterior. Já a raça girolando e outros mestiços aumentou a presença de 39 para 44 propriedades no Top 100.
O levantamento também buscou traçar cenários para os próximos anos, e a conclusão é que há “uma forte tendência de os produtores continuarem a expandindo a produção de leite”. Quando questionados quanto pretendiam expandir a produção nos próximos três anos, 42% afirmaram ter intenção de expandir a produção em até 20%; 31% pretendem ter crescimento de 20% a 50% no volume produzido nos próximos dois anos. Apenas 17% dos Top 100 não pretendem aumentar a produção. Uma fatia de 10% disse querer elevar a produção em mais de 50% nos próximos três anos.
Para realizar a pesquisa, a MilkPoint fez um levantamento preliminar, por meio de contribuições ao seu site, sobre as fazendas que poderiam estar entre as 100 maiores. Foi utilizado como critério uma produção mínima diária estimada de 6.500 litros. A partir daí, os produtores selecionados foram consultados individualmente para confirmar dados sobre volume de produção e a propriedade, entre outros. Em relação ao levantamento de 2014, houve algumas alterações: dois produtores optaram por não participar, nove não atingiram a produção mínima estipulada e 11 novos produtores de leite entraram no ranking.
Leve alta de preços no mercado em março
O preço do leite aos produtores do país subiu 1% em março, a primeira alta desde agosto passado, de acordo com levantamento da Scot Consultoria. O valor médio, de R$ 0,894, por litro refere-se ao leite entregue aos laticínios em fevereiro passado.
De acordo com Rafael Ribeiro, analista da Scot, o quadro mais ajustado entre oferta e demanda explica a valorização. Ele observa que a redução na oferta nos últimos meses promoveu esse ajuste, elevando as cotações.
A expectativa agora é de novas altas do preço ao produtor no curto prazo. Em sua pesquisa com laticínios, a Scot ouviu que 52% deles esperam aumento da cotação no próximo pagamento, 44%, estabilidade e 4%, queda.
A Scot ainda não tem projeções para a produção de leite no Brasil neste ano, mas não descarta um recuo após o avanço de 5% no ano passado, conforme dados divulgados pelo IBGE. O instituto informou que a produção inspecionada de leite alcançou 24,741 bilhões de litros no ano passado.
As razões para um possível recuo, diz Ribeiro, são a queda na demanda por lácteos (como queijo e iogurte) em decorrência da crise e o aumento dos custos de produção de leite por conta da alta do dólar que eleva o valor dos insumos.
Marcelo Pereira de Carvalho, analista da MilkPoint, consultoria especializada em lácteos, considera que a produção de leite no país pode crescer 2% a 2,5% este ano, menos que em 2014. Esse incremento mais tímido previsto está relacionado à perspectiva de menor demanda por produtos de maior valor, entre outros fatores.
Para 2014, Carvalho estimava um avanço maior e que a produção chegaria a 25,1 bilhões de litros, mas o aumento dos custos levou a produção a estagnar no quarto trimestre do ano passado. Além disso, observa, os preços do leite ao produtor caíram de forma expressiva e a valorização da arroba do boi acabou estimulando o descarte de matrizes.
Por Alda do Amaral Rocha
Fonte: Valor Econômico
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