É até difícil de acreditar, mas hoje um litro de leite vale mais do que um litro de gasolina.
– Sem estoque preço continua alto
Petróleo branco. Alguns ainda não ouviram falar dessa nova mercadoria, mas o burburinho é crescente. A nova fonte de riqueza não vem das plataformas de petróleo nem é controlada por sheiks árabes, mas já é tão valiosa quanto o ouro negro. Trata-se do bom e velho leite, que, num mundo que cresce rapidamente e demanda cada vez mais fontes de proteínas, se tornou a nova estrela da economia global. Visto como uma commodity, o leite registrou valorização de 60% neste ano. Em algumas regiões, produtores brasileiros, que antes recebiam R$ 0,50 por litro, hoje vendem a mesma mercadoria por R$ 0,90. E isso produziu um fenômeno em quase todo o País. Um litro de leite tipo A se tornou mais caro do que um litro de gasolina – no varejo, a bebida custa R$ 2,80, enquanto o combustível é vendido a R$ 2,50. É uma tendência global que já foi captada pelo The New York Times, maior jornal dos Estados Unidos. Num artigo recente, o jornalista Wayne Arnold comparou o leite ao petróleo da nova era econômica. Graças a esse fenômeno, os produtores estão rindo à toa. “Entramos no mercado na baixa e estamos agora no início de um ciclo de alta”, disse à DINHEIRO RURAL o empresário Flávio Guarani, que é um dos maiores produtores de leite do País, na cidade de Inhaúma, Minas Gerais. Com produção superior a 36 mil litros/dia, ele é um dos sheiks do leite.
R$ 19 BILHÕES deverá ser o faturamento dos produtores com a venda de 25 bilhões de litros de leite
Se a alta dos preços já dói no bolso do consumidor, pode-se também dizer que a recuperação do leite faz muito bem ao agronegócio brasileiro. Ao contrário de outras atividades rurais, como a sojicultura e a própria pecuária de corte, a cadeia do leite é extremamente pulverizada. Há mais de 50 mil produtores em atividade e as propriedades ainda são pequenas. Portanto, altas de preço, ainda que de centavos, têm impacto imediato na renda dos fazendeiros. De acordo com o Centro de Pesquisa em Economia Aplicada (Cepea/ USP), o preço médio pago aos produtores brasileiros no mês de setembro situou-se próximo a R$ 0,78. Um produtor médio, que tire mil litros/dia, um ano atrás ganhava R$ 15 mil mensais. Com os preços atuais, o rendimento sobe para R$ 23,4 mil.
FLÁVIO GUARANI: dono da True Type vende toda a produção à Itambé
Nesse cenário, os grandes empresários do leite estão ainda mais animados. Um deles é Lair Antonio de Souza, que produz 38 mil litros/dia na sua Fazenda Colorado, no município de Araras (SP). Com 917 vacas em lactação, ele produz leite tipo “A” com a marca própria Xandô. Orgulhoso por ser “bom de conta”, ele diz que, em seu sistema, cada centavo vale ouro. E não é exagero. “Um centavo perdido por litro de leite significa uma perda de R$ 1,2 mil por dia, R$ 36 mil por mês, ou R$ 420 mil por ano”, revela Lair Souza. A média de produção é de 38 litros por animal, muito acima do padrão nacional. Para chegar a esse nível de produtividade, foi necessário investir R$ 1,2 milhão em equipamentos que permitem monitorar a produção de cada uma das vacas e interrompê-la no caso de algum animal apresentar pequenas anomalias, que vão desde falta de apetite até indicativo de febre. “O leite desses exemplares é colhido em separado e vai para os bezerros, com isso não contaminamos o resto da produção e aproveitamos tudo.” O faturamento é de R$ 14 milhões ao ano, mas Lair, impulsionado pela boa maré do mercado, pretende crescer pelo menos 5% no próximo ano. “Vamos investir mais R$ 800 mil na parte industrial”, revela.
OLAVO BARBOSA: sua Fazenda Bela Vista é a maior em leite do País
LAIR SOUZA: sua Xandô é a nova estrela no leite tipo A
Quem também decidiu partir para marca própria foi o produtor Roberto Jank, titular da Agropecuária Agrindus, empresa familiar fundada há 40 anos. Por dia, a fazenda de Jank produz 40 mil litros de leite tipo “A”, com um faturamento de R$ 12 milhões ao ano. Assim como a marca Xandô, ele também faz entrega em domicílio. “Produzir um leite de qualidade é uma forma de ficar fora desse mercado de commodities e a variação de preço é menor”, avalia. Jank explica que o leite longa vida está, há anos, estacionado em 75% do mercado. Para ele, isso significa que 25% da população quer outro tipo de produto. E os preços não são tão distantes assim dos leites especiais. Por causa disso, diz ele, algumas pessoas resolveram experimentar o leite tipo A e por ali ficaram. “Percebemos um certo efeito residual, agora que os preços cederam um pouco”, diz.
R$ 950 MILHÕES é a perspectiva de receita com as exportações brasileiras de leite
HIGIENE: produtores investem alto na limpeza das fazendas
No município paulista de Tapiratiba, cidade próxima à divisa com Guaxupé, no região sul de Minas Gerais, fica a Fazenda Bela Vista, onde são produzidos 70 mil litros de leite tipo “A”. Partindo do princípio de que nem uma gota do “petróleo branco” deve ser desperdiçada, o titular do empreendimento e líder do ranking nacional, Olavo Barbosa, partiu para a produção de outros derivados lácteos. Com uma linha de queijos, iogurtes, leite fluido, ricota, creme de leite e requeijão cremoso, a empresa deve faturar este ano R$ 41 milhões. O negócio, segundo Barbosa, está fincado numa produção vertical, que exerce um fino controle desde a produção, distribuição direta aos domicílios, padarias e supermercados. Ele avalia que a alta nos preços não teve impacto significativo em sua empresa. “Realizamos um aumento de apenas 5% no preço do leite tipo “A”, que ocorria independentemente dessas oscilações de mercados”, avalia. Ainda assim, ele comenta que o faturamento previsto, já conta com um incremento de 20%. Segundo ele, o número é fruto de ações planejadas antes da disparada dos preços pelo leite. Para tanto, uma nova unidade industrial foi montada em 2005, possibilitando um aumento na produção. “É um trabalho que nunca acaba”, diz.
Mas não são apenas produtores com marcas próprias que estão ganhando dinheiro. O empresário Flávio Guarani, dono da True Type, em Inhaúma, também tem feito a conta dos ganhos. Sua empresa fechará o ano com faturamento de R$ 13 milhões. Por dia são ordenhados 42 mil litros em média. “Já conseguimos picos de 55 mil”, revela. A meta, de acordo com o produtor, que é acionista do Banco Mercantil do Brasil, é estabilizar a ordenha em 50 mil litros/dia. Toda a produção é destinada à Itambé que paga, em média, um ágil de 5% sobre o mercado. Isso porque Guarani montou um dos projetos mais modernos do País, com investimentos de R$ 20 milhões, e todo o gado holandês puro de origem, que é a raça mais produtiva. A qualidade do leite que produz, segundo ele, é a melhor possível. “Não há contato humano e praticamente nem com o ar”, se orgulha o banqueiro. “Qualquer um que produzir um leite com a mesma qualidade que o meu, receberá mais por isso.” Quando começou na atividade, há dez anos, muitos não acreditavam que a fazenda iria render bons dividendos. Isso porque o leite não passava por um bom período. “Mas ação a gente compra na baixa”, se diverte, revelando o lado banqueiro. Para o futuro ele não descarta a possibilidade de lançar uma marca própria. Mas até lá, há outras prioridades. “Isso pode acontecer, mas antes quero ter a certeza de que fazenda está produzindo com todo o seu potencial”, afirma. Na opinião de especialistas, o leite pode ser sim um bom negócio, independentemente de preço. Para isso, porém, é preciso alta escala de produção e muita tecnologia. E quando se alia qualidade, logística e preço, o resultado é esse: o produtor se torna um “sheik do leite”.
TECNOLOGIA: ordenha mecanizada é a regra nas propriedades
CONTROLE: produção de cada animal é monitorada online
ESCASSEZ MUNDIAL DEVE CONSOLIDAR O BRASIL COMO GRANDE EXPORTADOR
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